A cláusula de 13º aluguel em contrato de locação de espaço em shopping center é legal?
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.409.849-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 26/4/2016, DJe 5/5/2016, decidiu que não é abusiva a mera previsão contratual que estabelece a duplicação do valor do aluguel no mês de dezembro em contrato de locação de espaço em shopping center.
De início, cabe ressaltar que o contrato de locação deve ser analisado com base no disposto no art. 54 da Lei de Locações (Lei n. 8.245/1991), que admite a livre pactuação das cláusulas no contrato de locação de espaço em shopping center firmado entre lojistas e empreendedores, observadas as disposições da referida lei.
O controle judicial das cláusulas contratuais constantes de contrato de locação de espaço em shopping center deve ser estabelecido a partir dos princípios reitores do sistema de Direito Empresarial, partindo-se, naturalmente, do disposto no art. 54 da Lei de Locações.
Com efeito, a locação de espaço em shopping center é uma modalidade de contrato empresarial, contendo fundamentalmente os seguintes elementos: o consentimento dos contratantes, a cessão do espaço e o aluguel.
O aluguel em si é composto de uma parte fixa e de uma parte variável. A parcela fixa é estabelecida em um valor preciso no contrato com possibilidade de reajuste pela variação da inflação, correspondendo a um aluguel mínimo mensal. A parcela variável consiste em um percentual sobre o montante de vendas (faturamento do estabelecimento comercial), variando em torno de 7% a 8% sobre o volume de vendas. Se o montante em dinheiro do percentual sobre as vendas for inferior ao valor do aluguel fixo, apenas este deve ser pago; se for superior, paga-se somente o aluguel percentual.
No mês de dezembro, é previsto o pagamento em dobro do aluguel para que o empreendedor ou o administrador indicado faça também frente ao aumento de suas despesas nessa época do ano, sendo também chamado de aluguel dúplice ou 13º aluguel. A cobrança do 13º aluguel é prevista em cláusula contratual própria desse tipo peculiar de contrato de locação, incluindo-se entre as chamadas cláusulas excêntricas.
A discussão acerca da abusividade dessa cláusula centra-se na tensão entre os princípios da autonomia privada e da função social do contrato.
De acordo com doutrina especializada, o princípio da autonomia privada corresponde ao poder reconhecido pela ordem jurídica aos particulares para dispor acerca dos seus interesses, notadamente os econômicos (autonomia negocial), realizando livremente negócios jurídicos e determinando os respectivos efeitos.
A autonomia privada, embora modernamente tenha cedido espaço para outros princípios (como a boa-fé e a função social do contrato), apresenta-se, ainda, como a pedra angular do sistema de direito privado, especialmente no plano do Direito Empresarial. O pressuposto imediato da autonomia privada é a liberdade como valor jurídico. Mediatamente, o personalismo ético aparece também como fundamento, com a concepção de que o indivíduo é o centro do ordenamento jurídico e de que sua vontade, livremente manifestada, deve ser resguardada como instrumento de realização de justiça.
O princípio da autonomia privada concretiza-se, fundamentalmente, no direito contratual, por meio de uma tríplice dimensão: a liberdade contratual, a força obrigatória dos pactos e a relatividade dos contratos.
A liberdade contratual representa o poder conferido às partes de escolher o negócio a ser celebrado, com quem contratar e o conteúdo das cláusulas contratuais. É a ampla faixa de autonomia conferida pelo ordenamento jurídico à manifestação de vontade dos contratantes.
Assevera doutrina que o princípio da relatividade dos contratos expressa, em síntese, que a força obrigatória desse negócio jurídico é restrita às partes contratantes (res inter alios acta).
Os direitos e as obrigações nascidos de um contrato não atingem terceiros, cuja manifestação de vontade não teve participação na formação desse negócio jurídico. De outro lado, nenhum terceiro pode intervir no contrato regularmente celebrado. Limita-se, assim, até mesmo, a atuação legislativa do próprio Estado, em virtude da impossibilidade de uma lei nova incidir retroativamente sobre contrato regularmente celebrado por constituir ato jurídico perfeito.
Entretanto, admite-se a revisão administrativa e judicial dos contratos nos casos expressamente autorizados pelo ordenamento jurídico. Já a força obrigatória dos contratos é o contraponto da liberdade contratual. Se o agente é livre para realizar qualquer negócio jurídico dentro da vida civil, deve ser responsável pelos atos praticados, pois os contratos são celebrados para serem cumpridos (pacta sunt servanda).
A necessidade de efetiva segurança jurídica na circulação de bens impele a ideia de responsabilidade contratual, mas de forma restrita aos limites do contrato. O exercício da liberdade contratual exige responsabilidade quanto aos efeitos dos pactos celebrados.
Assim, o controle judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor da economia. Ressalte-se que a autonomia privada, como bem delineado no Código Civil de 2002 (arts. 421 e 422) e já reconhecido na vigência do Código Civil de 1916, não constitui um princípio absoluto em nosso ordenamento jurídico, sendo relativizada, entre outros, pelos princípios da função social, da boa-fé objetiva e da prevalência do interesse público.
Essa relativização resulta, conforme entendimento doutrinário, o reconhecimento de que os contratos, além do interesse das partes contratantes, devem atender também aos “fins últimos da ordem econômica”.
Nesse contexto, visando à promoção desses fins, admite o Direito brasileiro, expressamente, a revisão contratual, diante da alteração superveniente das circunstâncias que deram origem ao negócio jurídico (teoria da imprevisão, teoria da base objetiva etc.). Em outras palavras, o locatários poderão interpor revisional de contrato de locação sempre que houver desiquilíbrio econômico contratual, desde que este desequilíbrio seja demonstrado.
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