É LEGAL A COBRANÇA DE JUROS CAPITALIZADOS EM CONTRATOS DE MÚTUO BANCÁRIO?

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.388.972-SC, julgado sob o rito dos Recursos Repetitivos, cujo Relator foi o Ministro Marco Buzzi, julgado em 8/2/2017, DJe 13/3/2017, entendeu, por unanimidade, que a cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida, desde que houver expressa pactuação.

A controvérsia no caso sub judice cinge-se em analisar a legalidade da capitalização mensal e anual de juros.

É inegável que a capitalização, seja em periodicidade anual ou ainda com incidência inferior à anual, cuja necessidade de pactuação, aliás, é firme na jurisprudência do STJ, não pode ser cobrada sem que tenham as partes contratantes, de forma prévia assim contratada.

De fato, sendo pacífico pelo STJ o entendimento de que a capitalização inferior à anual depende de pactuação, outra não pode ser a conclusão em relação a periodicidade anual, sob pena de ser a única modalidade (periodicidade) do encargo a incidir de maneira automática no sistema financeiro, embora inexistente qualquer determinação legal nesse sentido, pois o artigo 591 do Código Civil apenas permite a capitalização anual e não determina a sua aplicação automaticamente.

Cabe mencionar que, a despeito da incidência do diploma consumerista aos contratos entabulados com instituições financeiras e a previsão no artigo 47 da Lei n. 8.078/90, que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, o próprio Código Civil de 2002 preleciona no artigo 423 do Código Civil que “quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”.

Os fundamentos da decisão proferida pelo STJ no Recurso Especial nº 1.388.972-SC se fundamentam no fato que, em não havendo expressa pactuação do encargo, a sua cobrança é obstada, principalmente porque pela simples leitura dos preceitos legais incidentes à espécie, notadamente o art. 4° do Decreto 22.626/1933 e o art. 591 do Código Civil de 2002, é irrefutável que os dispositivos aludem a que os contratantes permitem/assentem/autorizam/consentem/concordam com o cômputo anual dos juros.

Entretanto, não afirmam, nem sequer remota ou implicitamente, que a cobrança do encargo possa se dar automaticamente, ou seja, não determinam que a arrecadação seja viabilizada por mera disposição legal (ope legis), pois se assim fosse teriam os julgadores o dever de, inclusive de ofício, determinar a incidência do encargo, ainda que ausente pedido das partes.

A presunção à qual alude o artigo 591 do Código Civil diz respeito, tão somente, aos juros remuneratórios incidentes sobre o mútuo feneratício. Essa pressuposição, no entanto, não é transferida para a parte final do referido dispositivo, pois a capitalização de juros é permitida em inúmeros diplomas normativos em periodicidades distintas (mensal, semestral, anual), e não é pela circunstância de a lei autorizar a sua cobrança que será automaticamente devida pelo tomador do empréstimo em qualquer dessas modalidades.

O legislador ordinário, atento às perspectivas atuais, procurou tratar o mútuo de forma substancialmente renovada – no Código Civil de 1916 o contrato de empréstimo era, em regra, gratuito, sendo a sua onerosidade excepcional -, hoje, os juros presumem-se devidos se o mútuo tiver destinação e finalidade econômica, podendo referir-se tanto a suprimento de dinheiro como de coisas fungíveis.

Não ousou o legislador proibir que as partes convencionassem a não incidência de juros se assim expressamente acordassem. Ora, se a norma não obrigou/determinou, mas apenas presumiu (salvo estipulação em contrário) a incidência de juros, inviável estender essa assertiva para a periodicidade deste encargo.

Certamente, seria um contrassenso admitir que as partes expressamente ajustassem a não incidência de juros (contrato gratuito), mas a lei determinasse/impusesse a cobrança da capitalização de juros, ainda que na periodicidade anual. Isto porque, o direito de livre contratar é expressão maior do ideário burguês pós-revolucionário e constitui um princípio vinculado à noção de liberdade e igualdade presente na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

À pessoa humana, enquanto ser dotado de personalidade e como cidadão livre, é dado pactuar nas condições que julgar adequadas, contratando como, com quem e o que desejar, inclusive dispondo sobre cláusulas, firmando o conteúdo do contrato e criando, em dadas vezes, novas modalidades contratuais (contratos atípicos).

Além do princípio da autonomia da vontade, a boa-fé contratual, vinculada ao dever de informar – principalmente nos contratos bancários sobre os quais é inegável a incidência do Código de Defesa do Consumidor (súmula 297/STJ) -, constitui um dos pilares do contrato, verdadeiro elemento norteador do negócio jurídico.

Nesse sentido, o contrato deve retratar uma situação de coordenação, jamais uma relação de subordinação entre as partes, mormente quando o ordenamento jurídico normativo não impõe a contratação de juros sobre juros, tampouco categoricamente afirma posição imperativa quanto a sua contratação.

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