OS ENTES PÚBLICOS PODEM EXIGIR CERTIDÃO NEGATIVA PARA REGISTRO E ARQUIVAMENTO DE ALTERAÇÃO CONTRATUAL?

Como é ciência de muitos empresários contribuintes, é pré-requisito, exigido por muitos Estados, para o registro e arquivamento de alteração contratual, da inexistência de débitos tributários. Em outras palavras, é exigido que o contribuinte que deseja promover alteração contratual da sociedade a não existência de débito junto a Estado.

O Estado de Minas Gerais além de exigir que a empresa, exige também que os sócios não tenham débitos tributários.

Tal ato administrativo tem como objetivo principal a cobrança de tributos de forma alternativa à execução fiscal. Ou seja, além do Ente Público Estadual ter os benefícios de constituir o crédito tributário unilateralmente, ele utiliza meios de cobrança que acarretam cerceamento de defesa ao contribuinte.

Mas a questão a ser respondida neste artigo é: os entes públicos podem exigir certidão negativa para registro e arquivamento de alteração contratual?

A competência para legislar sobre juntas comerciais, no caso alteração contratuais, é concorrente entre União, Estado e Distrito Federal, nos termos do inciso III, do artigo 24 da CR/88.

Dessa forma, tem-se que cabe a União ao legislar sobre normas gerais em termos de competência concorrente com a finalidade de unificação mínima fundamental do tema, permitindo às ordens parciais da Federação a adequação do tratamento legislativo específico às peculiaridades regionais e locais, a fim de ser obtido um equilíbrio federativo e uma maior chance de isonomia material entre os entes federativos.

Essa conjuntura faz com que a União, nesses casos, esteja representando os interesses do Estado Federal como um todo na homogeneização mínima dos temas atinentes à competência concorrente, ou seja, tratar-se-á de normas gerais, fruto de leis nacionais e não federais.

A União, através da Lei n° 8.934/94, usou seu poder concorrente de legislar e estabeleceu as regras gerais sobre registro público de empresas mercantis e atividades afins.

O art. 37 da Lei n° 8.934/94 estabelece os documentos obrigatórios que deverão instruir o arquivamento de alteração contratual. Vejamos:

“Art. 37. Instruirão obrigatoriamente os pedidos de arquivamento:

I – o instrumento original de constituição, modificação ou extinção de empresas mercantis, assinado pelo titular, pelos administradores, sócios ou seus procuradores;

II – declaração do titular ou administrador, firmada sob as penas da lei, de não estar impedido de exercer o comércio ou a administração de sociedade mercantil, em virtude de condenação criminal

III – a ficha cadastral segundo modelo aprovado pelo DNRC;

IV – os comprovantes de pagamento dos preços dos serviços correspondentes;

V – a prova de identidade dos titulares e dos administradores da empresa mercantil”.

Em complemento a este dispositivo, o parágrafo único do art. 37 da Lei n° 8.934/94 estabelece que além dos documentos referidos no caput do art. 37, retro mencionado, nenhum outro documento será exigido das firmas individuais e sociedades.

Portanto, qualquer exigência dos Estados que contrarie a regra geral estabelecida na Lei n° 8.934/94 será considerada ilegal.

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.393.724-PR, cujo Relator foi o Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino, com julgamento datado de 28/10/2015, foi provocado a manifestar sobre a exigência de certidões negativas de débitos com o FGTS e com a União para efetuar o registro e o arquivamento de alteração contratual, a fim de promover a transformação de sociedade civil em empresária.

No julgamento em comento o Ministro Relator entendeu que “para efetuar o registro e o arquivamento de alteração contratual, a fim de promover a transformação de sociedade civil em empresária, não é exigível a apresentação de certidões negativas de débitos com o FGTS e com a União, exigindo-se, contudo, certidão negativa de débito com o INSS”.

O Decreto-Lei n. 1.715/1979 e a Lei n. 8.036/1990 exigem, para o registro e o arquivamento de alteração contratual a apresentação de certidões negativas de débitos com o FGTS e com a União. Ocorre que a Lei n. 8.934/1994 – que entrou em vigor posteriormente a esses mencionados diplomas normativos – estabeleceu, no parágrafo único do seu art. 37, que, para instruir os pedidos de arquivamento, além dos referidos nesse artigo (dentre os quais não constam certidões negativas de débitos com o FGTS ou com a União), “nenhum outro documento será exigido das firmas individuais e sociedades referidas nas alíneas ab e d do inciso II do art. 32″.

Nesse contexto, a Terceira Turma, no REsp 1.290.954-SC (DJe 25/2/2014), firmou entendimento no sentido de que Lei n. 8.934/1994 derrogou os dispositivos de leis anteriores que estabeleciam outras exigências para o arquivamento de atos societários nas Juntas Comerciais. No referido julgado, confrontou-se a Lei n. 8.934/1994 com as leis tributárias anteriores, identificando-se uma antinomia de segundo grau, em que há conflito entre os critérios cronológico e da especialidade.

Concluiu-se, então, que há de prevalecer o critério cronológico, pois o enunciado normativo “nenhum outro documento será exigido”, contido na Lei n. 8.934/1994, tem conteúdo nitidamente derrogatório, excluindo a possibilidade de subsistirem leis anteriores em sentido contrário. Portanto, não mais subsistem as exigências de certidões negativas de débitos com o FGTS e com a União, porque previstas em leis anteriores (Decreto-Lei n. 1.715/1979 e Lei n. 8.036/1990).

Porém, cabe ressaltar que prevalece, apenas, a exigência de certidão negativa do INSS, pois inserida na Lei n. 8.212/1991 por força da Lei n. 9.032/1995, que é posterior à Lei n. 8.934/1994. Além disso, cabe ressaltar que, de fato, o parágrafo único do art. 34 do Decreto n. 1.800/1996 afirma que, obrigatoriamente, para instruir os pedidos de arquivamento, “Nenhum outro documento, além dos referidos neste Regulamento, será exigido das firmas mercantis individuais e sociedades mercantis, salvo expressa determinação legal, reputando-se como verdadeira, até prova em contrário, às declarações feitas perante os órgãos do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins”.

Complementando o entendimento em comento, cabe enaltecer que o Supremo Tribunal Federal já sumulou a questão, através da Sumula 547, que estabelece que “não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais”. Além disto, desde de 1963, através da Sumula 323, o STF já entendia que “é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”.

Em consonância com este posicionamento, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, tem, majoritariamente, decidido pela impossibilidade de exigência de certidões negativas de empresas e sócios para que seja possível o arquivamento de alteração contratual. Vejamos:

“REEXAME NECESSÁRIO/APELAÇÃO CÍVEL – PRELIMINAR – MANDADO DE SEGURANÇA – INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE CONTRIBUINTES E ALTERAÇÃO CONTRATUAL – CERTIDÃO NEGATIVA DE SÓCIO – CONDICIONAMENTO À QUITAÇÃO DE DÉBITOS FISCAIS – IMPOSSIBILIDADE – CONCESSÃO DA ORDEM – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – INCABÍVEIS NA ESPÉCIE – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1- Reconhecida a ilegitimidade passiva do Secretário de Estado e permanecendo no feito apenas autoridade coatora não arrolada no art. 106, I, ‘c’, da Constituição do Estado de Minas Gerais, não há que se falar em denegação da segurança por incompetência absoluta do juízo de primeiro grau. 2- O indeferimento da inscrição em Cadastro de Contribuintes do ICMS em razão da existência de débitos fiscais por parte de um dos sócios, com o condicionamento ao pagamento de débitos fiscais afronta os princípios constitucionais que regem a ordem econômica e o livre exercício de atividades econômicas, especialmente o art. 170, ‘caput’ e parágrafo único, da Constituição da República de 1988. 3- Dispondo a Fazenda Pública de mecanismos regulares para a cobrança de seus créditos tributários, o ato em questão é ilegal e constitui meio coercitivo de cobrança indireta de tributo, ferindo o devido processo legal e, em consequência, o direito líquido e certo da empresa impetrante. 4- Em mandado de segurança, mostra-se indevida a condenação do impetrado em honorários advocatícios, a teor do disposto no art. 25 da Lei n.º 12.016/09 e nas Súmulas nº 105 do STJ e nº 512 do STF. 5- Sentença parcialmente reformada, apenas no tocante à verba honorária (Ap Cível/Reex Necessário 1.0133.14.000665-0/001, 2ª CÂMARA CÍVEL, Des.(a) Hilda Teixeira da Costa, Data do Julgamento 12/04/2016).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANDADO DE SEGURANÇA – LIMINAR – REATIVAÇÃO DA INSCRIÇÃO ESTADUAL INDEFERIDA – DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA – AFRONTA AO LIVRE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ECONÔMICA (ART. 170, CR/88) – RECURSO DESPROVIDO. I – Se há débito do contribuinte, a Fazenda Pública possui mecanismos para atingir a satisfação de seus créditos (tal como a execução fiscal prevista na Lei n.º 6.830/80, que lhe confere inclusive prerrogativas), sendo manifestamente impertinente o condicionamento da concessão de inscrição estadual à inexistência de dívida, pois agindo de tal forma, utiliza-se o fisco de meio coercitivo para adimplemento da obrigação tributária e obsta o livre exercício da atividade econômica. II – Restando evidenciado que o ato praticado pela autoridade coatora obsta a atividade profissional lícita do contribuinte, em afronta à garantia constitucional e à jurisprudência deste Tribunal e do c. STJ, além da Súmula n.º 547 do ex. STF, impõe-se a manutenção da decisão que deferiu a liminar por ele reclamada em mandado de segurança. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0518.14.020256-6/001, Relator(a): Des.(a) Peixoto Henriques , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/01/2016, publicação da súmula em 29/01/2016)”

“DIREITO TRIBUTÁRIO – REEXAME NECESSÁRIO — MANDADO DE SEGURANÇA – ALTERAÇÃO CONTRATUAL – DÉBITO FISCAL – EXISTÊNCIA CONDICIONAMENTO – IMPOSSIBILIDADE – ILEGALIDADE DO ATO – LIVRE EXERCÍCIO ATIVIDADE PROFISSIONAL. – O mandado de segurança, seja ele na forma repressiva ou preventiva, é cabível para a proteção de direito líquido e certo, não protegido por Habeas Corpus nem por Habeas Data, em sendo o responsável pelo abuso de poder ou ilegalidade autoridade pública, ou agente de pessoa jurídica, no exercício de atribuições do poder público, nos termos do art. 5º, inc. LXIX da CR/88. – A Administração Pública não pode condicionar a inscrição no Cadastro de Contribuintes à quitação de débitos tributários ou de obrigações acessórias, uma vez que possui meios próprios para compelir o contribuinte a fazê-lo, sob pena de ofensa a princípios constitucionais que amparam a livre iniciativa. (TJMG – Reexame Necessário-Cv 1.0079.14.014859-8/001, Relator(a): Des.(a) Dárcio Lopardi Mendes , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/07/0015, publicação da súmula em 30/07/2015)”

Posto isto, cabe concluir que os Entes Públicos não podem exigir certidão negativa para registro e arquivamento de alteração contratual, exceto o INSS, com base na Lei n. 8.212/1991, sob pena de: a) ilegalidade por ofensa ao parágrafo único do art. 37 Lei n° 8.934/94; b) ilegalidade por ofensa ao parágrafo único do art. 34 do Decreto n. 1.800/1996; c) inconstitucionalidade por afronta os princípios constitucionais que regem a ordem econômica e o livre exercício de atividades econômicas, especialmente o art. 170, ‘caput’ e parágrafo único, da Constituição da República de 1988; d) por contrariar as sumulas 323 e 547 do STF e, por fim, por contrariar o entendimento majoritário do STJ e do TJMG.

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