A INEXISTÊNCIA DE ALVARÁ DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO PODE SER REQUISITO PARA O CONTRIBUINTE OPTAR PELO SIMPLES NACIONAL?

O presente artigo tem o objetivo de demonstrar, alicerçado em precedente do Superior Tribunal de Justiça, a possibilidade ou não do contribuinte optar pelo Simples Nacional caso não possua alvará de localização e funcionamento.

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.512.925-RS, cujo Relator foi o Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 2/6/2016, DJe 12/9/2016, constante do Informativo 590, entendeu que a ausência de alvará de localização e funcionamento não impede que os contribuintes, que não possuam outros impedimentos, ingressem ou permaneçam no regime do Simples Nacional. 

De fato, as hipóteses de vedação de ingresso no regime do Simples Nacional foram disciplinadas no art. 17 da LC n. 123/2006 (Lei do Simples Nacional), dentre as quais figura a “ausência de inscrição ou irregularidade em cadastro fiscal federal, municipal ou estadual, quando exigível”, nos termos do inciso XVI do referido dispositivo legal.

Nesse contexto, o que se deve examinar é se a expressão “cadastro fiscal”, contida na lei federal, abrange ou não o registro do alvará de funcionamento.

A expressão “irregularidade em cadastro fiscal federal, municipal ou estadual” poderia significar uma infinidade de irregularidades em quaisquer cadastros utilizados para fins de fiscalização pela União, Estados ou Municípios, não sendo possível identificar, a priori, de forma ontológica, quais cadastros teriam natureza meramente administrativa ou natureza fiscal para que, no último caso, a irregularidade impossibilite a inclusão ou a manutenção da empresa no regime do Simples Nacional.

Entretanto, não se pode entender que qualquer irregularidade cadastral seja apta a ensejar a aplicação do inciso XVI do art. 17 da LC n. 123/2006.

A respeito disto, entende-se que o significado da expressão “cadastro fiscal” deve ser buscado dentro da própria LC n. 123/2006. Do que se extrai da lei, o “cadastro fiscal” não se identifica com a abertura, registro, alteração e baixa da empresa (art. 4º, § 1º). Outrossim, também não guarda identidade com a inscrição, o funcionamento, o alvará e a licença (art. 4º, § 3º). Trata-se de outra coisa, que tem sua exigência postergada justamente para facilitar o registro comercial da empresa e que tem relação com “a emissão de documentos fiscais de compra, venda ou prestação de serviços”, pois, não fosse a lei, tais documentos não poderiam ser emitidos sem a regularidade no cadastro fiscal (art. 4º, § 1º, II).

A LC n. 123/2006 assim explicita: “Art. 17. Não poderão recolher os impostos e contribuições na forma do Simples Nacional a microempresa ou a empresa de pequeno porte: […] V – que possua débito com o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, ou com as Fazendas Públicas Federal, Estadual ou Municipal, cuja exigibilidade não esteja suspensa; […] XVI – com ausência de inscrição ou com irregularidade em cadastro fiscal federal, municipal ou estadual, quando exigível”.

Nesse ponto, se a lei diferencia a regularização do débito da regularização do cadastro fiscal, então, esse cadastro fiscal tem que ter conteúdo outro que não seja o mero registro da inadimplência com o Poder Público.

O campo que resta, portanto, são os cadastros específicos para o recolhimento dos tributos que exigem “a emissão de documentos fiscais de compra, venda ou prestação de serviços” (art. 4º, § 1º, II). Ou seja, os cadastros fiscais utilizados para o controle do IPI, PIS/PASEP e COFINS pela União, do ICMS pelos Estados e do ISSQN pelos Municípios. Nada mais que isso.

Não se trata, portanto, de cadastro referente ao alvará de funcionamento da empresa. O alvará para funcionamento tem cunho eminentemente administrativo e não fiscal e está mencionado no art. 4º, § 3º, ao lado do cadastro fiscal, a evidenciar que são coisas distintas.

Aliás, é o próprio Comitê Gestor do Simples Nacional – CGSN quem interpreta o tal “cadastro fiscal” como sendo o cadastro do CNPJ e assemelhados nos âmbitos estadual e municipal, nos termos do previsto no art. 6º da Resolução CGSN n. 94/2011.

Nessa ordem de ideias, no âmbito federal, a expressão “cadastro fiscal federal” prevista no inciso XVI do art. 17 da LC n. 123/2006 refere-se à relação de pessoas em situação de suspensão, cancelamento ou inaptidão nos cadastros indicados do Ministério da Fazenda (CPF e CGC/CNPJ), informações constantes do cadastro informativo de créditos não quitados do setor público federal (CADIN), instituído pela Lei n. 10.522/2002, que contém também o rol de pessoas físicas e jurídicas responsáveis por obrigações pecuniárias vencidas e não pagas, correspondendo também ao disposto no inciso V do art. 17 da LC n. 123/2006.

 Mutatis mutandis, a inexistência de alvará de funcionamento não é irregularidade que se amolda ao conceito de “irregularidade em cadastro fiscal” para efeito da aplicação do art. 17, XVI, da LC n. 123/2006, pois o “cadastro fiscal” a que se refere é aquele que diz respeito ao recolhimento do ICMS, no âmbito estadual, e do ISSQN, no âmbito municipal, podendo albergar também as versões estaduais e municipais do CADIN que contenham tais informações, correspondendo também ao disposto no inciso V do art. 17 da LC n. 123/2006.

Por fim, cabe concluir, alicerçado no retro mencionado, que não parece razoável que a ausência de alvará de localização e funcionamento trate de irregularidade cadastral fiscal, sobretudo quando a empresa se encontre devidamente inscrita e adimplente com os tributos que lhe são devidos, de forma que sua exclusão do Simples Nacional, por ausência do referido alvará, milita contra a necessidade de tratamento jurídico diferenciado que lhe é devido em razão de ser empresa de pequeno porte, bem como contra os benefícios que tanto a empresa quanto os entes da Federação usufruem em razão da opção da empresa pelo Simples Nacional.

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