OFICINA MECÂNICA PODE RETER O VEÍCULO PARA RECEBIMENTO PELOS SERVIÇOS PRESTADOS?

Oficina mecânica que realiza reparos em veículo, com autorização do proprietário, pode reter o bem por falta de pagamento do serviço?

A dúvida e ser sanada neste artigo é se a retenção do veículo por parte da oficina mecânica, sob a justificativa da realização de reparos no veículo, é conduta legítima ou caracteriza esbulho, ensejador da propositura da demanda possessória.

Inicialmente, cumpre salientar que o direito de retenção decorre, por expressa disposição do art. 1.219 do CC/2002, da realização de benfeitoria por parte do possuidor de boa-fé, motivo por que é fundamental verificar se a oficina era, de fato, possuidora do veículo e, dessa forma, estaria albergada pela hipótese legal e excepcional de retenção do bem, como forma de autotutela ou, de forma diversa, se a situação em análise seria de mera detenção do automóvel, circunstância que transbordaria a previsão legal de sua retenção, sob a justificativa da realização de benfeitorias.

De acordo com a doutrina “(…) nem todo o estado de fato que se exerce sobre uma coisa, ou que revela exercício de poderes sobres as coisas, pode ser considerado como relação possessória plena. Muitas situações ocorrem, nas relações materiais com as coisas, que não refletem realmente uma forma de uso ou fruição do bem com poder pleno, ou a intenção de exercer um determinado direito real. Existe um certo poder sobre a coisa. Há uma relação de disponibilidade, mas em nome alheio, ou sob outra razão. Tal relação denomina-se detenção. (…) A distinção entre posse e detenção reside num aspecto básico: na primeira, os atos possessórios são exercidos em nome próprio, ou em proveito próprio; na segunda, em nome ou proveito alheio. Nesta situação, há uma relação de dependência ou subordinação para com outrem.” 

Tem-se, portanto, que a oficina em nenhum momento exerce a posse do bem.

É incontroverso que o veículo é deixado pelo proprietário somente para a realização de reparos, sem que isso caracterize posse, pois jamais a empresa poderia exercer poderes inerentes à propriedade do bem, relativos à sua fruição ou mesmo inerentes ao referido direito real (propriedade), nos termos do art. 1.196 do CC/2002.

Assim, não há o direito de retenção, sob a alegação da realização de benfeitoria no veículo, pois, nos termos do art. 1.219 do CC/2002, tal providência é permitida ao possuidor de boa-fé, mas não ao mero detentor do bem. (Recurso Especial nº 1.628.385/ES, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 22/8/2017, DJe 29/8/2017).

A equipe de consultores do Grupo Ciatos se coloca à disposição para solucionar eventuais dúvidas.

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