ILEGALIDADE DA COBRANÇA DO DIFAL-DIFERENCIAL DE ALÍQUOTA DAS EMPRESAS DO SIMPLES NACIONAL QUE ADQUIREM PRODUTOS EM OUTROS ESTADOS PARA REVENDA

O regime de recolhimento do SIMPLES NACIONAL, criado pela Lei Complementar 123, de 2006, implica no recolhimento unificado de diversos tributos, em percentual sobre a receita bruta da empresa, dentre os quais se encontra compreendido o ICMS.

Diversas empresas enquadradas no referido regime, realizam com habitualidade aquisição das mercadorias que revendem de indústrias e comércios localizados fora do Estado de Minas Gerais.

Ocorre que, em decorrência dessas operações, o Fisco Mineiro tem cobrado dos comerciantes, além do ICMS já compreendido no pagamento mensal do SIMPLES NACIONAL, pagamento denominado “antecipação de ICMS”, que seria referente à diferença entre a alíquota praticada no Estado de origem da mercadoria e a cobrada em Minas Gerais.

Como exemplo, podemos citar um comerciante que adquire uma mercadoria no Estado de São Paulo para revendê-la aqui em Belo Horizonte/MG. Nesse caso, o valor da mercadoria será cobrado com o percentual de 12% referente a alíquota interestadual do ICMS cobrada no Estado de São Paulo. Todavia, caso a mesma mercadoria fosse adquirida dentro do Estado de Minas Gerais, a alíquota do imposto que compõe o valor da mercadoria seria de 18% e não de 12%.

Diante desta situação, para não ficar no prejuízo, o Fisco Mineiro instituiu a cobrança antecipada da diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna, que no caso do nosso exemplo seria equivalente a 6%.

É importante destacar que, para as empresas não optantes pelo SIMPLES, o valor cobrado pelo estado a título de diferencial de alíquota não resulta em nenhum prejuízo, pois estas podem se creditar do valor pago e compensá-lo quando ocorrer a comercialização do produto para o consumidor final. Porém, para as empresas enquadradas nos SIMPLES, ocorre severo prejuízo, considerando que este regime não permite a utilização de créditos tributários.

O argumento utilizado pelo Fisco Mineiro reside em uma análise superficial da Lei Complementar 123/2006 aliada ao Decreto nº 43,080/2002 (Regulamento do ICMS de Minas Gerais), que assim dispõe:

“Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:

(…)

VII – Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS;

(…)

          • 1o O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:”

(…)

          1. h) nas aquisições em outros Estados e no Distrito Federal de bens ou mercadorias, não sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, relativo à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;

Tal previsão de tributação – “antecipação” – está presente no Regulamento do ICMS, mais precisamente no art. 42, §14, que assim dispõe:

Parte Geral – RICMS/02

Art. 42 (…)

          • 14. Ficam a microempresa e a empresa de pequeno porte obrigadas a recolher, a título de antecipação do imposto, o valor resultante da aplicação do percentual relativo à diferença entre a alíquota interna e a interestadual e devido na entrada de mercadoria destinada à industrialização ou comercialização ou na utilização de serviço, em operação ou prestação oriunda de outra unidade da Federação, observado o disposto no inciso XXII do caput do art. 43 deste Regulamento.

Insta salientar que, apesar de se entender como equivocada a interpretação do Fisco Mineiro sobre a legislação mencionada, o tema tratado é bastante controverso e, inclusive, existe precedente da segunda turma do STJ favorável à cobrança.

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. ICMS. DIFERENCIAL DE ALÍQUOTA INTERESTADUAL. EMPRESA OPTANTE PELO SIMPLES. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO. LEGALIDADE. PRECEDENTE DA SEGUNDA TURMA, ESPECIFICAMENTE QUANTO AO ESTADO DE MINAS GERAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONHECIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL E, NESSA QUALIDADE, IMPROVIDO. I. Evidenciado o escopo infringente dos Embargos de Declaração, é de ser recebido o recurso como Agravo Regimental, até em razão da existência de pedido expresso da parte, nesse sentido. Embargos de Declaração conhecidos como Agravo Regimental. II. Conforme já decidido pela Segunda Turma do STJ, “a contribuinte é empresa optante pelo Simples Nacional que adquire mercadorias oriundas de outros Estados da Federação. Insurge-se contra a exigência, por lei de seu Estado, do diferencial entre a alíquota interestadual (menor) e a interna (maior). Apesar de reconhecer que o art. 13, § 1º, XIII, ‘g’, da LC 123/2002 determina o recolhimento do diferencial de alíquota, a Corte estadual entendeu que a legislação local deveria, necessariamente, prever a compensação posterior, o que não houve. Por conta da omissão da lei estadual em regular a matéria, a exigência do diferencial seria inválida. Inexiste debate a respeito da legislação local. É incontroverso que a lei mineira exige o diferencial de alíquota na entrada da mercadoria em seu território e não permite compensação com o tributo posteriormente devido pela empresa optante pelo Simples Nacional. Tampouco há dissídio quanto à interpretação da Constituição Federal, que admite a sistemática simplificada e prevê, como regra, o princípio da não-cumulatividade. A demanda recursal refere-se exclusivamente à análise do art. 13, § 1º, XIII, ‘g’, da LC 123/2002, para aferir se a exigência do diferencial de alíquota é auto-aplicável. O diferencial de alíquota apenas garante ao Estado de destino a parcela que lhe cabe na partilha do ICMS sobre operações interestaduais. Caso não houvesse cobrança do diferencial, ocorreria grave distorção na sistemática nacional desse imposto. Isso porque a aquisição interestadual de mercadoria seria substancialmente menos onerosa do que a compra no próprio Estado, sujeita à alíquota interna ‘cheia’. Sobre um insumo, por ex., do Rio de Janeiro destinado a Minas Gerais, incide a alíquota interestadual de 12%. Se o mesmo insumo for adquirido no próprio Estado, a alíquota interna é de 18%. A cobrança do diferencial de alíquota não onera a operação posterior, promovida pela empresa optante pelo Simples Nacional, apenas equaliza a anterior, realizada pelo fornecedor, de modo que o diferencial de 6%, nesse exemplo (= 18 – 12), seja recolhido aos cofres de Minas Gerais, minorando os efeitos da chamada ‘guerra fiscal’. Isso não viola a sistemática do Simples Nacional, não apenas porque a cobrança do diferencial é prevista expressamente pelo art. 13, § 1º, XIII, ‘g’, da LC 123/2002, mas também porque a impossibilidade de creditamento e compensação com as operações subseqüentes é vedada em qualquer hipótese, e não apenas no caso do diferencial. De fato, a legislação mineira não prevê a compensação do ICMS recolhido na entrada (diferencial de alíquota), o que é incontroverso, pela simples razão de que isso é expressamente obstado pelo art. 23, caput, da LC 123/2002. Ao negar eficácia ao disposto no art. 13, § 1º, XIII, ‘g’, da LC 123/2002, o TJ-MG violou a lei federal, descaracterizando o próprio Simples Nacional, o que impõe a reforma do acórdão recorrido” (STJ, REsp 1.193.911/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 02/02/2011).III. Embargos de Declaração conhecidos como Agravo Regimental e, nessa qualidade, improvido. 

Contudo, a matéria encontra-se pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal através do no Recurso Extraordinário nº 970.821-RS, de relatoria do Ministro Edson Fachin, o qual irá colocar fim à controvérsia. E foi justamente nos autos do respectivo recurso que houve parecer do Ministério Público Federal ratificando a inconstitucionalidade da cobrança.

A propósito, destacamos a síntese de argumentos originada pelo referido parecer:

A cobrança de antecipação de ICMS equivalente a diferencial de alíquotas, fundamentada em normas estaduais, do optante do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional) quando não se enquadre como consumidor final, encontra-se eivada de inconstitucionalidade formal, por não estar amparada por lei complementar federal (art. 146, III, d e parágrafo único), e material, porquanto não observa o regime constitucional do aludido imposto, mormente o princípio da não cumulatividade (art. 155, § 2º, I e VII), e o Postulado do tratamento favorecido para as microempresas e empresas de pequeno porte (arts. 170, IX, e 179).

Em síntese, de acordo com o Ministério Público Federal existem três argumentos para se declarar a inconstitucionalidade da cobrança de ICMS Interestadual aos contribuintes do simples que adquirem produtos em outros Estados para revenda.

O primeiro seria de que houve desvirtuação da finalidade autorizada pela constituição, considerando que esta definiu o direito ao pagamento de diferencial de alíquota (alíquota interna – alíquota interestadual) aos Estados onde os adquirentes estiverem localizados (Estado de destino), mas somente quando a mercadoria for adquirida “por contribuinte de ICMS” na qualidade de “consumidor final” (§2º, I e VII, c/c, VIII) .

Sendo assim, visando que o Estado de destino também recebesse parte da tributação, pois não haveria operação comercial subsequente, a Constituição permitiu a cobrança do diferencial de alíquota nas hipóteses em que o comerciante fosse o destinatário final (consumidor) da mercadoria.

Porém, quando o comerciante adquire a mercadoria para revenda, apenas o Estado de origem seria legitimado para cobrança do ICMS.

Não obstante, o segundo ponto utilizado pelo Ministério Público Federal, reside no fato de que a impossibilidade de utilização dos créditos adquiridos na operação de aquisição de mercadorias pelos contribuintes do Simples Nacional, resulta em violação ao princípio constitucional da não-cumulatividade, previsto no art. 155, §2, inciso I, da Constituição.

Para entender melhor tais fundamentos, é importante descrever de que forma funcionam os tributos não cumulativos, sendo esta, hipótese em que é vedada a incidência indiscriminada de um tributo na cadeia de consumo.

Para tanto, o legislador previu que o contribuinte poderia compensar o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, evitando-se a ocorrência de bitributação.

Ocorre que os contribuintes optantes do Simples Nacional não podem realizar a compensação de tais pagamentos, já que nesta modalidade o ICMS está incluído em uma contribuição mensal com base na receita bruta, inviabilizando sua repartição e compensação em cada operação.

Deste modo, não é possível que os contribuintes inscritos no Simples Nacional utilizem os créditos adquiridos nas aquisições de mercadorias para revenda, resultando, assim, em bitributação e nítida violação ao princípio constitucional da não-cumulatividade.

Na mesma linha de raciocínio, o terceiro argumento utilizado pelo Ministério Público Federal, resulta da violação ao princípio do tratamento favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte, previsto nos artigos 170, IX e 179 da Constituição da República.

Isso porque, a inviabilidade de apropriação e transferência dos créditos acaba por impor tratamento fiscal mais gravoso aos contribuintes do Simples Nacional quando comparados às demais empresas. 

Pelo exposto, consoante ao parecer do Ministério Público Federal, entende-se que a cobrança da antecipação do DIFAL-Diferencial de Alíquota das empresas do simples que adquirem produtos em outros Estados para revenda é inconstitucional, pois resulta de análise equivocada da constituição e prevê tratamento mais gravoso aos micro e pequenos empresários, ao contrário do que prevê a Carta Magna.

Contudo, caberá ao STF dirimir a controvérsia nos autos do RE970.821-RS.

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